É só chover forte para todo mundo se dar conta: lixo fora do lugar dá trabalho. Entope ralo e custa dinheiro. No Brasil, cuidar do lixo é um desafio gigantesco. Existem boas iniciativas, mas elas ainda são poucas – e insuficientes.
Lixo clandestino, lixinho inocente, lixo distante, lixo nosso de cada dia. A diferença é que o que está longe dos olhos a consciência não vê.
“O gestor de uma comunidade quer tirar o lixo da frente da sua casa e jogar em algum lugar. Com isso, 90% da população não veem o lixo e os outros 10% convivem com o lixo”, constata o economista do IPEA Ronaldo Seroa da Motta.
E quanto custa? Você sabe quanto custa o lixo produzido por nós todos os dias? Ninguém liga, ninguém sabe. Como dar um preço para coleta, transporte, custo ambiental, de saúde pública? São as voltas que o lixo dá.
“Não são questões ambientais. São impactos ambientais que são gerados e não são colocados na conta”, ressalta a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Elen Pacheco.
São Paulo consome R$ 965 milhões por ano com lixo. O Rio de Janeiro consome R$ 850 milhões. O que cada contribuinte paga é uma taxa que não cobre os gastos. Quem suja mais não paga mais.
“É um valor que independe do volume de lixo que você gera. Então, que incentivo você tem para fazer a redução desse lixo?”, conclui Ronaldo Seroa da Motta.
A consequência é vista nas ruas. No Rio de Janeiro, a quantidade de lixo retirado das calçadas corresponde a 37% do total recolhido. Em Genebra, na Suíça, esse número não passa dos 15%. É menos da metade do índice carioca. O mau hábito sai caro. Retirar lixo da rua custa o triplo da coleta de porta em porta. Não retirar custa vidas nas enchentes de todo verão.
Aí, você pensa: educação começa em casa. Todo cidadão bem informado hoje sabe que é importante separar o lixo seco dos restos de comida, o chamado lixo orgânico.
Você sabe fazer coleta seletiva de lixo? Aprenda a reconhecer as cores das lixeiras.
A realidade esbarra em dois problemas: nem tudo que é reciclável o mercado quer e a coleta seletiva é cinco vezes mais cara que a comum. Do que adianta separar o lixo seco em casa, se flagramos sacos sendo misturados à água suja dentro do caminhão de coleta seletiva?
“Caiu ali dentro, mistura tudo”, diz um gari.
“Depois que vai para o aterro sanitário, acabou, não é mais reciclável”, acrescenta outro gari.
Um exército de milhares de excluídos, com média de idade acima dos 30 e baixa escolaridade, disputa o lixo nas ruas, aterros, portas de condomínio. Mas o especialista Luciano Basto, pesquisador da Coppe-UFRJ, enxerga no problema a solução. “O papel dos catadores é muito pouco percebido. O Brasil tem potencial de gerar 1 milhão de postos de trabalho através da reciclagem”, diz. Para Luciano, o segredo está na parceria.“Um acordo entre as empresas públicas oficiais que fazem o serviço de coleta e os catadores, para que não fiquem competindo pelo mesmo lixo”.
A reciclagem de latinhas é um exemplo que deu certo: tem gente para comprar e gente para vender.
“Nós não vemos latinhas, porque o porteiro ou a empregada já retirou. Há casos de condomínios que estão dando prêmios para as empregadas que apresentarem maior coleta”, conta a presidente da Comlurb, Ângela Fonti.
A lei da oferta e da procura tirou as latinhas do lixo, organizou os catadores. E catador organizado em cooperativa leva luva, bota, tíquete-refeição e cidadania.
“Posso entrar no supermercado para comprar carne, coisas boas para os meninos, encher a geladeira. É importante para mim. É a minha vida, minha profissão. Falo disso com orgulho”, comemora uma catadora.
O que não é separado em casa nem aproveitado pelos catadores vai parar em aterros sanitários. O aterro sanitário de Caieiras, São Paulo, é considerado modelo para uma cidade do tamanho da capital paulista. O lixo que chega das casas é enterrado em valas enormes, em cima de mantas que impedem a contaminação da terra. O chorume, líquido mal-cheiroso que sai do lixo, é tratado e não polui o meio ambiente. O custo é alto: R$ 300 mil por dia. Mas o lixo de quase 10 milhões de habitantes tem um destino considerado mais seguro.
A alguns quilômetros dali, um tapete verde esconde uma das maiores montanhas de lixo do mundo. Hoje, uma usina tira do aterro desativado energia para iluminar a casa de 400 mil pessoas.
“Capturamos o gás que anteriormente era emanado, principalmente para a população do entorno, e geramos recursos e energia. Também há um benefício global, que é a destruição do gás metano, que tem fator importante no efeito estufa”, explica o diretor técnico da Biogás, Antônio Carlos Delbin.
O Brasil tem bons exemplos quando o assunto é lixo, só não consegue transformar iniciativas isoladas em um grande programa que funcione para todos. O projeto que cria a Lei Nacional de Resíduos Sólidos espera há duas décadas por aprovação no Congresso.
“Ela está no ponto para ser votada e vai ser fundamental. Essa lei define responsabilidades, inclusive sobre lixo eletroeletrônico, lixo hospitalar, política de valorização dos catadores”, adianta o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
Se há modelos de sucesso, por que, então, a maioria das cidades brasileiras ainda despeja lixo a céu aberto? A resposta pode estar no preço que cada um está disposto a pagar.
“Temos propostas de usinas mirabolantes, mas não adianta. Se o custo não for bancado de alguma forma, alguém vai ter que pagar essa conta”, constata Ângela Fonti.
“São ações do cotidiano, da exigência das pessoas com elas mesmas, que podem fazer as coisas mudarem. Eu acredito que uma andorinha só não faz verão, mas ela anuncia a primavera e levanta as outras”
Até as Olimpíadas de 2016, o Rio de Janeiro tem um compromisso: acabar com todos os aterros clandestinos espalhados pela cidade, lugares onde o lixo proibido se multiplica. Esse é o tema da reportagem da série “Lixo” desta quarta-feira (7).
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Fonte: Globo.com / Bom dia Brasil – 06/04/10